O Ministério Público Federal (MPF) apresentou uma denúncia e uma ação de improbidade contra a reitora da Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa), Ludimilla Carvalho Serafim de Oliveira, por ameaçar uma estudante; tentar silenciar e intimidar alunos contrários à sua nomeação; editar atos cerceando a liberdade de expressão; retardar uma cerimônia de colação de grau para atender interesse pessoal; e por espalhar informações falsas sobre a aluna Ana Flávia.
A reitora, que foi a terceira colocada na eleição interna para o cargo, terminou sendo a escolhida para assumir a gestão da universidade em agosto do ano passado, o que causou reações por parte, principalmente, dos estudantes da instituição. Para o Ministério Público Federal, a forma como Ludimilla Oliveira respondeu a essa reação incluiu a prática de crimes e de atos de improbidade.
A denúncia aponta que a gestora cometeu os crimes de ameaça e prevaricação (artigos 147, 319 do Código Penal, respectivamente). O primeiro através de uma postagem em rede social e o seguinte a partir dos entraves que criou para impedir que uma colação de grau pudesse servir de palco para críticas à sua nomeação.
Criminalização
Desde sua posse, em agosto de 2020, as primeiras práticas indevidas começaram a ser percebidas. No dia 26 daquele mês, Ludimilla Oliveira solicitou investigação policial contra a coordenadora do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Ufersa, acusando-a de calúnia, difamação, ameaça e associação criminosa. Para o MPF, a iniciativa foi tomada pela reitora mesmo “sabendo que a aluna era inocente” e apenas como forma de intimidação. A acusação foi arquivada pelo Ministério Público Federal, com aval da Justiça.
A estudante havia chamado Ludimilla Oliveira de golpista e interventora e convocado manifestações e protestos. Pouco depois, em setembro, foi mais uma vez alvo da reitora, que a denunciou pela suposta invasão das dependências da universidade. Mesmo já ciente do arquivamento da representação anterior, continuou a acusar a estudante da prática dos delitos.
O Ministério Público Federal, diante do impasse, remeteu recomendação ao DCE, à Polícia Federal e à Ufersa. A reitora informou, expressamente, que não acataria parte da recomendação e continuou a buscar a intervenção prematura da Polícia Federal, mesmo diante de protestos pacíficos. “Em nenhum dos protestos realizados foi feito uso de violência ou de armas por parte dos estudantes, sempre se manifestando de forma pacífica, mas, obviamente, em desagrado à reitora”, destaca a inicial.
Abin
No Instagram, após receber mais uma crítica da coordenadora do DCE, a reitora respondeu à mensagem com uma referência à Agência Brasileira de Inteligência, marcando o nome da aluna junto da hashtag “#Abin”. “Sem margem de dúvidas foi uma grave ameaça proferida à estudante, como mais uma tentativa de silenciamento e intimidação por parte da denunciada, a qual, diante de comentário crítico exercido por aquela nos limites da liberdade de expressão, ameaçou algum tipo de intervenção por parte da Abin”, ressaltou o MPF.
Para o Parquet, caso não houvesse notícia sobre utilização indevida da Abin, a ameaça não se caracterizaria. Porém o próprio STF, na análise da ADPF 722, reconheceu grave desvio de finalidade das atividades de inteligência da agência, mediante a utilização do aparato estatal para produzir relatórios e dossiês de pessoas identificadas como sendo antifascistas, em “clarividente ato de perseguição política e ideológica”.
“Ao utilizar a #abin, mencionando o perfil da estudante, a denunciada o fez com o único objetivo de ameaçar de causar-lhe grave temor de ter sua vida ilegalmente monitorada pelos órgãos de inteligência brasileiros”, conclui o MPF.
Cerimônia
O crime de prevaricação decorreu da tentativa ilegal da reitora de impedir uma possível crítica de formandos da universidade à sua nomeação. Ela editou uma portaria, em 8 de janeiro, estabelecendo as regras para a colação de grau remota nos cursos de graduação. Uma das medidas de “silenciamento” foi determinar que a transmissão (via Youtube) teria o chat desabilitado, ou seja, não permitiria comentários ao vivo.
Determinou também a proibição de protestos de qualquer natureza durante a cerimônia, prevendo, inclusive, a aplicação de sanções. A Defensoria Pública da União (DPU) ajuizou uma ação através da qual a Justiça determinou a suspensão de parte da portaria, exigindo que a Ufersa não adotasse qualquer medida que representasse “censura prévia ao direito de livre manifestação”.
Diante da liminar judicial, a reitora emitiu uma nota de esclarecimento informando, falsamente, que em razão da decisão a cerimônia de colação de grau (marcada para 11 de janeiro) teria de ser adiada para 15 de janeiro. A DPU, porém, comunicou à Justiça o descumprimento da decisão liminar, “pois, em momento algum, determinou-se o adiamento da colação”.
Ao ser cobrada para prestar esclarecimentos pelo MPF, Ludimilla Oliveira mudou sua versão e afirmou que o cancelamento teria se dado devido à necessidade de “observância de medidas de proteção contra a propagação da covid”, embora pouquíssimas pessoas teriam de estar presencialmente na universidade, uma vez que o evento seria transmitido de maneira virtual. Com o retardamento, a colação terminou por ocorrer através de um sistema interno (Sigaa), no dia 15, sem transmissão pelo Youtube.
Ao tentar evitar os protestos pacíficos ou críticas, “além de ofender a Administração Pública, (a reitora) impediu, inclusive, a participação de amigos e familiares dos concluintes nesse momento tão importante de suas vidas, causando, certamente, frustração e dano irreparável aos alunos”.
Fake news
Na ação de improbidade, além dos fatos reportados na denúncia, o MPF também aponta a disseminação de informações falsas no canal institucional da própria universidade. “Fazendo valer a sua opinião de que a estudante tinha cometido os citados crimes, a demandada emitiu uma Nota de Esclarecimento (…) aduzindo, em síntese, que o citado IPL (no qual acusava a estudante) não teria sido arquivado e que a manifestação do MPF não tinha validade, pois a autoridade policial havia elaborado relatório, considerando a estudante ‘culpada’”, relata o MPF.
A reitoria tinha plena ciência do arquivamento e de que a atuação do Ministério Público independe do entendimento da autoridade policial. “A demandada tem todo o direito em se opor à promoção de arquivamento efetivada pelo MPF (...). Para tanto, poderia ter lançado mão do instrumento processual adequado, qual seja, o recurso à instância superior. Ao invés de recorrer ao devido processo legal (...), buscou disseminação de desinformação sobre o trabalho do MPF, em clara tentativa de deslegitimação”.
Além disso, segundo o MPF, o Relatório da Polícia Federal, em momento algum considera a aluna como culpada, até mesmo porque, como se sabe, somente há configuração e culpa com o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. No âmbito do IPL sequer houve o indiciamento da aluna, deixando a autoridade policial de sugerir o ajuizamento de ação penal diante do reconhecimento de que interpretações diversas sobre a atuação dela poderiam mesmo existir. Não há, então, nenhuma indicação de configuração de culpa no relatório, diferentemente do que foi noticiado.
De o acordo com o MPF, “o fato é muito grave, pois recurso públicos foram direcionados para a elaboração e disseminação de notícias falsas. Com a publicação de nota em sítio oficial, servidores públicos foram acionados para elaboração e divulgação de tal conteúdo para atender, novamente, a mero interesse pessoal da autoridade. Ora, a publicidade oficial deve, obviamente, também pautar-se pelos princípios da Administração Pública, abstendo-se de publicar informações falsas.”