Falar da morte é difícil, pois envolve uma pergunta e um drama existencial: como será a minha própria morte? Como vivenciei a morte de quem eu tanto amei e já partiu? O que fazer com a dor e a saudade? Pensar nela é ainda pior, pois cada época construiu uma imagem distinta e plural.
Viver a arte de morrer em nossa época gera angústias e questões. Por que eu? Por que agora? Por que assim? O que há depois? Como ficarão os que eu amo? Alguém me espera depois do portal? Há portal? Vou sofrer? Por que vivi até hoje? Fez sentido o que plantei? Que irei deixar aos outros? Que deixarei para mim mesmo? Será que se lembrarão de mim?
Na hora da morte, não ficaremos sós. Deus está conosco para ajudar no trânsito pessoal e na metamorfose vital. Ao observamos um defunto, ou seja, aquele que cessou de existir ali vemos a aparência, pois o devolvemos para Deus, de quem veio e por quem nasceu, viveu e morreu. Nosso corpo mortal será revestido de imortalidade, pois somos criaturas do Pai celeste. Somos feitos de um tecido mortal embelezado por fios eternos. Quando miramos o verso do bordado, só vemos as costuras e os nós emaranhados. Quando passamos pela hora da morte, somos virados pelo avesso e veremos a beleza daquilo que Deus bordou em nós, no corpo e na alma: essa beleza do amor que fecunda nossa vida, que é o segredo da verdadeira beleza pessoal. Nada da beleza se perderá, tudo da feiura provisória se desvanecerá. A morte escorre como areia na ampulheta e se perde. Entretanto, a vida penetra sempre de novo como água a terra fértil; desaparece, mas não se perde. Some da vista, mas fecunda as sementes, forma os lençóis freáticos e sobe tal como vapor ascendente até chegar a Deus. Como ensinou o genial Pasteur falando dos micróbios: “A vida preside ao trabalho da morte”. Dando sentido ao viver estaremos sempre preparados para acolher a irmã morte, como São Francisco que cantou ao final de sua frágil vida: “Louvado sejas, meu Senhor, pela Irmã nossa, a morte corporal, da qual nenhum homem vivente pode escapar”. Ou como resumiu Gabriel Marcel: “Amar é dizer: Tú não morrerás jamais".Gilvan Rodrigues Leite (Gestor Público e Gestor Ambiental aposentado).
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