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quarta-feira, 3 de março de 2021

DONO DE TAMANCO NÃO É DONO DA VERDADE.

Tomislav R. Femenick – Jornalista 

Ainda jovem (faz tempo), aprendi algo que me foi útil por todos esses anos que já vivi. Foi uma das muitas lições que aprendi com o meu tio Padre Mota, durante uma aula de francês.                                                                                                            Perguntei-lhe o que queria dizer a expressão “deja vU”, que eu tinha ouvido (assim mesmo, do jeito que está escrito) em uma conversa entre professores do Colégio Diocesano Santa Luzia, lá em Mossoró, onde eu estudava.                                                                                                Pacientemente, explicou-me que se escrevia “déjà vu”, que se pronunciava “deja vÍ” e que queria dizer “já visto, já conhecido, já sabido”. Em um ímpeto próprio da mocidade, no dia seguinte procurei o professor que tinha usado a expressão francesa e lhe perguntei se o certo não seria dizer “DEJÁ VÍ”. Ele riu e disse-me que, no dia em que eu fosse professor, poderia ajudá-lo em algo.                                                                                                              Infelizmente aquele senhor já morreu, e eu não posso lhe dizer que fui professor por mais de trinta anos, em universidades e faculdades de São Paulo e aqui do Rio Grande do Norte.                   
Sempre que me deparo com alguém que se diz dono da verdade absoluta, que não admite contradições, eu me lembro daquele professor simplório, que dava mais importância aos seus tamancos do que à realidade que o circundava.                                                                                                  Geralmente esses experts não têm expertise nenhuma, não possuem competência e não são especialistas no que dizem ser. Sua competência é tão valiosa quanto uma nota de três reais e cinquenta centavos (R$ 3,50).         
Já faz quase um mês, recebi um e-mail de alguém que se dizia e PhD em direito e mestre em filosofia. Estranho é que, à frente de todos aqueles títulos, deveria vir um “nome de gente” (como bem dizia o meu amigo Chico Burrego), mas não veio. Titulação de fantasma não vale.                                                                                O autor da mensagem me achincalha por ter cobrado de Bolsonaro que “assumisse de fato a presidência da República e deixasse de bancar o marechal de uma guerra bracaleônica”. E apresenta uma série de argumentos, todos baseados em textos de um pseudofilosofo brasileiro que mora nos Estados Unidos, ex-comunista, ex-seguidor de uma seita islamita, ex-astrólogo, atual simpatizante do “terraplanismo” (esdrúxula teoria que acha que a superfície da Terra é plana, e que esta está parada no espaço) e porra-louca do extremismo de direita.                
                                                            Quem tem por guru alguém que pensa assim, convenhamos, não tem credencial para discutir qualquer coisa, por mais carradas de títulos universitários que tenha. Por isso não vou responder ao senhor anônimo.   
                                                          Vivemos hoje no Brasil uma situação nefasta e degradante. As redes sociais, ao darem voz, democraticamente, a todos, abriram uma espécie de caminho dos infernos, como descreveu Dante Alighieri, no século XIV, em A Divina Comédia.                                                                                  Parece que cada um tem a única chave que abre a porta de saída para as várias crises que grassam, que se reproduzem e se multiplicam, nesta terra brasilis. Todos se dizem doutos, eruditos, em tudo.                                                                                                     Há um acidente de trânsito envolvendo uma celebridade, as redes sociais se enchem de opinião sobre as limitações de velocidade, as sinalizações etc. e tal. Alguém foi eliminado do tal BBB, jornais e revistas dão a notícia como se notícia importante fosse – criam até posicionamento sociológico. As autoridades de uma cidade qualquer decretam “lockdown”, por causa da pandemia, todos opinam, como se estivessem por dentro de todos os detalhes.            
                                                                  As redes sociais provocaram outro fenômeno. Antes, o jornalismo estridente, espalhafatoso e espetaculoso se limitava a alguns horários de final de tarde, com poucos gatos pingados fazendo o espetáculo.                                                                                                              Agora, nas TV’s abertas e pagas, no YouTube e em outras plataformas, nomes famosos se apresentam com trejeitos raivosos e gritando; tudo para chamar a atenção para si e não para o que noticiam. Até historiadores apresentam a “história espetáculo”.      
                                                                Aqui é onde está o busílis, o problemão: a eles não interessa se o que estão dizendo é verdade ou não; apenas querem se consolidar como celebridades.       
                                                                  Eu, pelo lado de cá, continuo achando que o falso saber é muito, muito pior que a falta de saber. É pernicioso, nocivo, ruinoso. Induz os outros a seguirem por caminhos enganosos, sem direção certa e que podem levar ao abismo.

Tribuna do Norte. Natal, 03 mar. 2021.                                                   Gilvan Rodrigues Leite (Gestor Público e Ambiental Aposentado).

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