Violência, embriaguez, sugestão de sexo em público, queimaduras, nudez. A lista de situações extremadas ocorridas no show dos cantores João Gomes e Tarcísio do Acordeon, em Mossoró (RN), é longa e tem movimentado opiniões nas redes sociais. O evento ocorreu no último dia 13 de novembro, mas apenas ontem (25) imagens e vídeos da festa foram compartilhados, atestando os absurdos do caso.
O episódio acontece no exato instante em que, gradativamente, as atividades culturais no Brasil estão sendo liberadas para maior público. Os excessos seriam, então, uma reação natural diante de quase dois anos de rígido confinamento? É possível explicar o porquê de tantas ocorrências inusitadas em um show aparentemente convencional?
Se olharmos para a História, perceberemos que houve consideráveis mudanças no comportamento da sociedade após outras catástrofes globais – a exemplo dos períodos de guerra. A opinião é sustentada por Lia Sanders, pesquisadora, médica psiquiatra e professora da Universidade Federal do Ceará e do Centro Universitário Christus.
Segundo ela, uma das consequências no passado do retorno à “vida normal” foi um efeito positivo na vida sexual. Depois da Segunda Guerra Mundial, ocorreu uma sucessão de nascimentos que deu origem aos chamados baby boomers.
“Durante o confinamento, quem não morava com o companheiro viveu um momento de isolamento e diminuição da vida sexual, enquanto os casais passaram a ter maior intensidade e qualidade de sexo na relação. São momentos diversos”, observa.
Por outro lado, de acordo com Lia, conforme a pandemia se prolongou, a realidade descrita se inverteu: os solteiros passaram a ter maior flexibilidade e a vida sexual dos casais piorou. “Como as pessoas irão se comportar hoje, nós ainda não sabemos. De uma certa forma, o registro e o compartilhamento das informações que vivemos atualmente amplifica os acontecimentos, como esses no show de João Gomes”.
Celebrar o fim da peste.
A pesquisadora explica que, conforme alguns historiadores sugerem, existe a noção de que as pessoas celebraram o fim de outras pestes, como a Peste Negra, com alegria histérica e comportamento sexual excessivo. Já relatos mais recentes, referentes aos anos 1920, apontaram que, após a Gripe Espanhola, havia nações exaustas depois da pandemia, como se não existisse energia suficiente para manter alguma euforia.
Quimicamente falando, o que acontece com o cérebro quando passamos muito tempo privados de alguma atividade e, de repente, somos expostos ao que outrora éramos habituados? Lia Sanders cita o fenômeno da habituação no sistema nervoso central. Em linguagem técnica, “é um desvanecimento da resposta neuronal diante de uma estimulação monótona. Assim, pode ocorrer a redução da liberação de neurotransmissores na sinapse ou o aumento do limiar de disparo do neurônio”, detalha.
Trocando em miúdos, não haveria um neurotransmissor específico atuante nessa situação. O que acontece é uma espécie de inibição da resposta desses circuitos que são muito estimulados. Desta feita, a apresentação de um outro estímulo forte pode recuperar a resposta habituada. Seria uma sensibilização.
“Quando somos privados de alguma coisa a que somos habituados, ocorre um desconforto inicial. Estamos acostumados a um nível de estimulação e sentimos a falta desse estímulo. Se a ausência se prolonga, o organismo caminha para uma normalização, com redistribuição de receptores e nova acomodação da necessidade de estímulos. É um novo equilíbrio. Em uma reexposição, a sensibilidade original pode já ter sido restaurada. Seria uma espécie de ‘novo normal’, do ponto de vista bioquímico”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário