O que aconteceria se alguém gastasse todo o limite de cartão de crédito de um parente que está morrendo? A dívida tem de ser paga pelos herdeiros ou é perdoada? Essa discussão foi levantada nas redes sociais recentemente. O que a lei diz sobre as dívidas de um morto?
Especialistas em direito ouvidos pelo UOL explicam que as dívidas de alguém que morreu devem ser pagas pela família se houver herança. Mas há exceções: dinheiro de FGTS e de previdência privada não podem ser usados, por exemplo. No caso de a pessoa já ter morrido, usar o cartão de crédito dela pode configurar crime de estelionato, mas se o uso for antes da morte, é discutível.
Heranças e dívidas entram no espólio
O termo jurídico referente a direitos e deveres de um morto é espólio, que inclui tanto os bens —como imóveis e veículos, por exemplo—, quanto as dívidas. O dinheiro para quitar os débitos vem do patrimônio deixado para os herdeiros. Os parentes pagam a dívida se houver herança. Se não houver nenhum bem, a dívida não é paga por ninguém
"Os herdeiros devem receber o que a gente chama de herança líquida, que é a soma dos bens, descontadas as eventuais dívidas. Se alguém deixou um patrimônio de R$ 1 milhão e deve R$ 200 mil, os herdeiros vão ficarm com R$ 800 mil", explica o advogado Luiz Kignel, do escritório PLKC Advogados
É possível fazer dívida com o cartão de crédito de uma pessoa morta?
Segundo especialistas, não. O uso de cartões de crédito de uma pessoa após a morte pode configurar crime de estelionato, que significa obter vantagem indevida mediante fraude.
Vivianne Ferreira, advogada e professora de direito de família e sucessões na FGV Direito SP, diz que a morte impede esse uso
"Ainda que se autorize, eventualmente e de forma contrária ao que prevê o contrato com a operadora de cartão, a utilização do cartão, essa autorização só seria possível em vida e num contexto muito limitado. Com a morte, cessa qualquer poder de representação ou autorização para agir e utilizar o cartão", afirma
É possível usar o cartão de alguém que está morrendo e que autorizou a fazer isso?
Segundo Vivianne Ferreira, é difícil definir que houve crime, mas o uso pode ser contestado.
"Esse uso autorizado é contestável. Para o banco, ele não é legítimo, pois o cartão de crédito é de uso pessoal e intransferível. Se o uso foi autorizado, a questão do crime fica difícil de configurar, mas existe um ilícito civil, de qualquer forma, pois o contrato do titular com o banco não permite o uso por terceiros
Ela disse que, se a despesa foi feita a mando do titular do cartão, pode-se considerar que haja uma representação da vontade. "Nesse caso, fica difícil discutir a questão do estelionato. Agora, a dívida foi feita e deverá ser paga [de acordo com a lei]. Esse tipo de autorização ou procuração perde a validade com a morte. Se o filho usar o cartão depois da morte, aí a situação é mais clara de uso indevido e criminoso.
E se o valor dos bens for igual ao valor das dívidas?
Se os valores positivos e negativos do patrimônio foram exatamente iguais, não haverá herança a receber. Todo o patrimônio será utilizado para pagar os credores
Mas e se a pessoa só deixar dívidas?
Os herdeiros continuarão sem a obrigação de pagar qualquer débito com recursos próprios. Se a pessoa que morrer não tiver nenhum bens para honrar suas dívidas, quem arcará com os prejuízos serão os credores
"As dívidas só são transmitidas aos herdeiros até o valor dos bens deixados", declara Carlos Eduardo Guerra, professor de Direito da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).
Luiz Kignel afirma que, caso alguém morra e deixe para os herdeiros um só imóvel, e se esse imóvel for o único local que a pessoa tem para morar, ele não poderá ser usado para quitar as dívidas. Ou seja, o bem se torna impenhorável. (FONTE:-GRUPO CIDADÃO 190). Compartilhe.
Gilvan Rodrigues Leite (Gestor Público e Ambiental Aposentado).
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