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sábado, 2 de abril de 2022

HISTÓRIA:- ENTENDA PORQUE OS REINOS MUÇULMANOS NÃO ESTABELECERAM COLÔNIAS NAS AMÉRICAS.

Hoje em dia, a navegação de Cristóvão Colombo em 1492 e a colonização das Américas por Portugal, Espanha, França, Inglaterra e Holanda que colocaram a Europa no domínio do mundo parecem realmente feitos incríveis (e realmente o são), mas na época, logo em seu inicio, isso foi mais uma demonstração de miséria, desespero e necessidade de que de “superioridade’’. Para entender porque os reinos muçulmanos sejam eles andaluzes, africanos ou mesmo o Império Otomano não estabeleceram colônias nas Américas apesar de sua capacidade geográfica ou mesmo tecnológica, é preciso saber o porque cristãos europeus o fizeram no lugar deles.
 
Colombo partiu rumo ao Novo Mundo em busca de uma rota pelo Oeste porque a Europa estava falida, pobre e desesperada, vivendo ainda os efeitos da Peste Negra e da Grande Fome do Ouro que atigiu fortemente o continente entre 1457 e 1464, deixando toda a região sem metais preciosos ou qualquer coisa substâncial para fazer comércio entre si ou com outros lugares. As estruturas sociais estavam a beira de um colapso. A missão espanhola contava com um objetivo: chegar à Ásia pelo Atlântico para poder comercializar com a China e a Índia sem o intermédio histórico ou mesmo bloqueio muçulmano, e trocar qualquer coisa que tivessem de valor com os reinos do Extremo Oriente afim de sair daquela crise infernal (e não tinham muita coisa para fazer escambo quando chegaram: os chapéus vermelhos e guardanapos que Vasco da Gama levou ao Samorim de Calicute quando este finalmente chegou à Índia em 1498 fizeram todos na corte gargalhar com a pobreza daqueles marinheiros sujos e fedorentos que não costumavam se lavar após urinar e defecar, e tinham mais piolhos nas barbas de que seu soberano nos bolsos. Tanto é que os portugueses partiram para fazer pequenos assaltos à embarcações islâmicas e pirataria afim de tentar conseguir dinheiro onde ninguém queria comprar nada deles ou sequer pagar por suas quinquilharias sem valor algum ali).
 
As cidades-estados italianas eram as únicas com acesso livre aos portos do Levante, Egito e Império Otomano, mas não estavam dispostas a dividir seu lucrativo comércio com os infiéis com seus irmãos em Cristo, nem a deixar de vender seus produtos por preços superfaturados ao resto da Europa. Neste cenário desolado, qualquer coisa valia a pena, até entrar num barco cheio de homens guiados pela ambição e esperança por meses a fio contando que a proteção divina os levassem a um lugar que nem conheciam, ou sabiam exatamente onde ficava. Tanto agora para nós como na época, era uma missão suicida, e justamente por isso era a pena substituta da morte em alguns lugares (o degredo ao Novo Mundo). Mas no fim das contas, via a descoberta das Américas, as nações mais pobres do velho mundo que estavam de certo modo excluídas dos centros comerciais que realmente importavam, acabaram descobrindo uma nova fonte de riquezas enorme e lucrativa, principalmente a Espanha, e através dela conseguiram a dominação mundial e a ordem das coisas como vivemos hoje em dia.
 
Mas voltando a nossa pergunta inicial, por que os muçulmanos não vieram às Américas? Simples, eles não precisavam se dar ao trabalho.
 
É notório que a cartografia muçulmana já tinha conhecimendo de uma massa de terra entre Europa e Ásia. O mapa de Ali al-Masudi do século X já mostra um possível continente depois da África separado por um mar. Mas porque se aventurar rumo ao desconhecido se tudo o que já queriam ou necessitavam estava em suas mãos desde o século VII? A rota da seda era um negocio basicamente muçulmano, e o comercio com a Índia e Ilhas das Especiarias também. As minas de ouro da África eram suas, bem como o comercio saariano. Enfim, o Islã era a mão superior do mundo no século XV, que viva quase uma ‘’pax-islâmica’’, o árabe era a língua franca do dinheiro no mundo, e sair desta zona de conforto nem estava nos devaneios mais distantes dos governantes que poderiam financiar uma viagem de descobrimento (Ahmad al-Mansur do Marrocos até tentou no século XVI, mas só após perceber possíveis vantagens que eram tão hipotéticas que no fim nada se concretizou).
 
Perguntar porque nenhum reino muçulmano colonizou a América, é o mesmo que perguntar o porque de um empresário milionário não pegar um ônibus na periferia ás 5:00 da manhã para trabalhar: ele simplesmente não precisa fazê-lo. E se um dia alguém que pega pode ficar mais rico do que ele, criar uma empresa concorrente e falir seu negócio, é um golpe do futuro hipotético dos assuntos divinos, que nem sequer lhe ocorre a mente, e ele não vai passar a acordar de manhã cedo para fazer isso tentando impedir esta possibilidade hipotética, ao invés de manter a fortuna que já tem. É preciso enxergar a Europa como o trabalhador pobre que ficou bem sucedido, e o mundo islâmico como o milionário que acabou falindo por não prever uma hipótese.
 
Mas vamos supor em um exercício histórico de linha do tempo alternativa e especulação,  que um reino muçulmano ibérico tal qual Portugal e Espanha tivesse tentado esta empreitada. Bem, o mais provável candidato, e único para falar a verdade, seria o Emirado de Granada, no sul da Ibéria, que fazia fronteira com Aragão e Castela. Supomos que a faca de Ibrahim el-Guerbi não tenha errado durante o cerco de Málaga em 1487, e acertado as gargantas de Fernando e Isabel, os invasores do norte que pilhavam o Emirado.
 
Muhammad XII consegue vencer seu pai e tio na luta pelo trono granadino sem a ‘’ajuda’’ castelhano-aragonesa, e Granada pode mais uma vez respirar aliviada enquanto seus vizinhos se digladiam numa guerra sucessória infernal pelo trono após a morte dos Reis Católicos. Em 1492 Aragão e Castela estão ainda mais falidos devido a guerra civil, Portugal poderia estar tentando contornar a África para chegar na Índia, mas Colombo sem sombra de duvida não procuraria aqueles reinos falidos ibéricos para financiar sua hipotética jornada: eles precisavam pagar suas guerras internas e o ouro muçulmano que teria sido tomado em Granada em 1492 nunca chegou as mãos de Isabel.
 
Então, mesmo sem precisar, Muhammad XII aos 32 anos, é acometido por uma curiosidade genuína. A mesma que acometeu o mansa malinense Abu Bakr II um século antes dele quando este tentou sua primeira viagem transatlântica. No sul, o Império Saadiano está estabelecido no Marrocos. No norte, seus vizinhos se matam para por mais uma dinastia bastarda no poder, mas podem se unir caso ele tente repetir a histórica política ibérica eterna de invadir o vizinho em guerra civil.
 
Então, Muhammad é acometido de uma ideia: e se as histórias antigas que circulavam em al-Andaluz forem verdade? E se lá do outro lado do Atlântico realmente houver um continente imenso, inexplorado, que seria até melhor para seu povo de que as centenárias razias e guerras por castelos na Península? Movido por isso, não para chegar à China, e também pelo desejo nato de disseminar o Islã a quem quer que pudesse encontrar do outro lado do desconhecido, o jovem rei nasrida aposta numa iniciativa ousada, e dá inicio a missão.
 
Bem, a frota de caravelas nasridas e carracas teria levado aproximadamente o mesmo tempo que a espanhola pilotada por Colombo. Usando a mesma tecnologia e milha árabe que foi usada pelo navegador genovês na história real, eles teriam chegado á San Salvador nas Bahamas. Trazendo consigo ouro, seda, especiarias, finos artefatos e tudo mais que seus navios pudessem carregar, a chegada daqueles seres estranhos teria sido até mais estranha que a dos europeus. Eles não teriam “uma aparência única’’, pois é provável que Granada enviasse uma tripulação que fosse a cara de seu reino: árabes, turcos, berberes, negros africanos e muladís hispânicos. Um verdadeiro arco-iris de etnias. O contato com os nativos causaria o mesmo estranhamento: pessoas praticamente nuas, e outros altamente paramentados em turbantes, cafetãs e túnicas elaboradas se olhando pela primeira vez.
 
Os muçulmanos não viriam em busca de ouro, joias ou especiarias, pois já o tinham em abundancia, o que torna nosso exercício ainda mais difícil neste ponto, pois o leque de emulsionamento da viagem diminui. Mas supondo que chegassem lá finalmente, o que aceitariam numa primeira troca amigável diante dos nativos? Macacos, araras, peles e mulheres exóticas? Provavelmente. As nativas de beleza ainda não conhecida por aqueles homens tornariam-se seu provável primeiro foco de desejo, tanto imediato como para vender aos haréns de sultões (não seria impossível nessa linha do tempo alternativa o Marrocos, Granada ou mesmo o Império Otomano acabar ganhando um sultão Ahmad I Juracy, filho de um árabe ou turco com uma concubina nativa das américas, e a criação de toda uma linhagem dinástica nova).
 
A religiosidade também não pode ser descartada como quiçá um dos impulsos principais de uma viagem assim (ela foi muito forte no exemplo real europeu). Apesar de proselitista como o catolicismo, o Islã não tem um ímpeto de conversão igual via ritual de batismo, evangelização, catequese militante, inquisição etc… O processo de conversão de populações é extremamente mais lento e puramente orgânico, sem os mesmos métodos, principalmente quando se tratando de uma exploração de viajantes de cunho aventureiro ou comercial e não de anexação de território, então o que provavelmente aconteceria, é o mesmo que houve no processo da Indonésia, com místicos sufis atuando junto a pajés e caraíbas de maneira um tanto sincrética até que a população fosse se islamizando de maneira mais forte com o passar dos séculos, mas sem perder nada de seus aspectos nativos culturais. Além de cobrir a nudez, após o contato com os muçulmanos você provavelmente não veria Índios de turbante, ou mesmo falando árabe salvo raras exceções. O que acabaria sendo criado seria uma espécie de língua comercial franca para muçulmanos e não-muçulmanos, como o bahasa da Malásia. As mesquitas locais de um contato inicial seriam de palha ao modelo das tabas e ocas, como também foi o caso em todas as terras alcançadas pelos muçulmanos, respeitando o que fosse mais comum no local, mesclando alguns elementos vindos de fora.
 
Não seria mantida uma relação “colonia-metropole’’ ou uma colonização baseada na economia da escravidão (i.e importação de milhões de escravos em apenas 300 anos para produzir manufaturados para um enorme mercado consumidor), visto que este modelo de exploração de novos territórios não foram desenvolvidos pelos reinos islâmicos quando chegaram, que eram muito mais afeitos ao comércio e mercantilismo. O que provavelmente acabaria ocorrendo seria a criação de um “mar comercial’’ como no Oceano Índico, entre Granada, África Ocidental e civilizações mesoamericanas como os Incas, Maias e Astecas, que seriam o próximo alvo de contato após os nativos caribenhos.
 
Potentados islâmicos independentes criados por dinastias mestiças poderiam surgir, visto que o modelo de autonomia política regional sempre foi bastante prezado na hierarquia governamental islâmica, não havendo muitos exemplos de estados centralizadores e as tentativas de implementação de tais sempre resultando em fracasso. A “independência’’ de uma colônia islamo-nativa seria alcançada rapidamente, e quiçá o vinculo político com Granada se perderia já no primeiro século de exploração. O comercio de escravos indígenas como fruto da guerra intertribal ocorreria, porém, seria bem menos extensivo, e sem o elemento racial.
 
O contato com os indígenas abriria um novo parecer para a jurisprudência islâmica: eles não poderiam ser considerados “povos do livro’’ já que não tinham escritura sagrada, e praticavam uma forma de religiosidade sem muitos paralelos no mundo conhecido pelos muçulmanos até então. Talvez a politica adotada seria a mesma para com os hindus no Sudestes Asiático, com o pacto de aman para nativos não-muçulmanos que quisessem viver sob um regime muçulmano, mediante o pagamento de um imposto percapto.
 
Muito provavelmente os impérios maia, asteca e inca durariam bem mais nessa linha do tempo alternativa, e acabariam se “modernizando’’ via o comércio com o mundo islâmico. Os muçulmanos com toda certeza sentiriam um ojeriza com a prática dos sacrifícios humanos dos maias, porém, tal como o sati dos hindus ou o incesto dos zoroastristas, seria algo para anedotas e criticas literárias, sem a tentativa de alterar o quadro pela via das armas ou imposição. No mesmo momento do século XV em que as pirâmides astecas eram destruídas pelos espanhóis na prerrogativa de serem locais de sacrifício humano, os governantes mogois buscavam o dialogo e convencimento para tentar acabar com a queima de viúvas na Índia. Em mais um aspecto, os muçulmanos se sentiram em casa com a higiene dos nativos, e assim como eles, tomando frequentes banhos.
 
Algo que particularmente atrairia os polímatas árabes seriam os conhecimentos das bibliotecas maias e astecas, que não seriam queimadas como foram pelos espanhóis, e sim teriam seus livros traduzidos, unindo o conhecimento do mundo islâmico ao dos mesoamericanos principalmente no campo da astronomia.
 
Alguns governantes locais poderiam acabar se islamizando, e criando na próprio mesoamerica reinos islâmicos únicos no mundo, que acabariam levando o combate muçulmanos vs. cristãos ao próprio Novo Mundo, pois nesta linha do tempo da colonização islâmica acontecendo, a europeia não deixaria de acontecer, apenas tornaria-se uma ou duas décadas mais tardia. E da mesma forma que algumas tribos se aliavam a portugueses e outras a franceses, os nativos seriam ou aliados dos muçulmanos ou dos colonizadores cristãos.
 
Nesta linha do tempo alternativa, a história do mundo seria totalmente outra, com um infinito de possibilidades que poderiam ser exploradas e analisadas. Mas e você, qual outro aspecto que não abordamos neste texto seria interessante de ser analisado numa possível colonização islâmica das Américas?
 Na imagem: Recriação artística de especulação histórica de como teria sido a chegada dos exploradores granadinos ao Novo Mundo pela equipe da página História Islâmica. Texto:- Mansur Peixoto. Colaboração:- A H.M.

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