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quarta-feira, 12 de agosto de 2020

QUE TRISTES DIAS OS NOSSOS

Dr Ricardo Volpe
(Médico/SESAP RN)



Que dias tristes os nossos. Que tempos sombrios.
A cada colega que morre, a cada Maria, Ana, Ricardo, João, Cida, Mércia, Terezinha, a cada família que chora, eu vejo do outro lado um inacreditável alívio e alegria de alguns por terem liberado o direito das pessoas se aglomerarem. O "vai morrer de fome" venceu o "fique em casa" e, por mais justificativas que existam para os dois posicionamentos, o resultado final será sentido por muito tempo. Escolhas tem preços. Assume-se o risco e se segue adiante. Mas o preço de uma pandemia não pode ser pago.
Se fala muito nas redes sociais em governo, em partido, em políticos.
Mas eles são reflexos do verdadeiro doente. 
E o verdadeiro doente somos nós, o povo brasileiro.
Nenhum país sairá tão massacrado da pandemia quanto nós.
E não será somente por causa do vírus. O vírus foi o começo do fim. O vírus desnudou nossa nação. Para alguns muitos não faz diferença 35, 50 ou 100 mil mortos. E hoje as pessoas perderam a vergonha em revelar seus pensamentos mais obscuros.
Se não der pra negar a existência da pandemia, tal como muitos ainda nos dias de hoje negam o Holocausto, não há problema: pode se comparar com algo pior, como os homicídios não esclarecidos em nossa terra. Busca-se no nosso passado motivos para minimizar o presente, como se um vírus só agisse se fosse desafiado.
Encontrei desde o começo disso tudo muitos profissionais da área da saúde perplexos com as pessoas, perguntando a si mesmos e aos outros o quão difícil seria a população entender que deveriam ter respeitado as medidas de isolamento e distanciamento social e que poderiam perder para esta doença uma ou mais pessoas queridas.
Por mais duro que seja o que vou dizer aqui, talvez não seja uma questão de entendimento. Talvez a mensagem tenha sido captada.
Talvez seja uma questão de conformismo e de indiferença. 
Num país tão dizimado por falta de segurança, racismo, homofobia, esgoto a céu aberto, periferia esquecida e marginalizada, desigualdade social imensa, desemprego, perda de direitos, o que mais perdeu valor de mercado ao longo das décadas foi a vida. A sua, a minha e a de quem conhecemos, sobretudo quanto mais periférico e segregado estiver. A vida, no Brasil, vale pouco.
Quantos inocentes mortos no "pacote" de uma chacina, simplesmente porque demoraram cinco minutos a mais para sair do bar naquela noite? Quantas neoplasias inoperaveis que seriam operaveis, não fosse o atraso diagnóstico? Quantos "fique em casa" ouvidos, mas sem nenhuma contrapartida para o transporte público e para o provimento de uma família com oito pessoas confinadas em um quarto-cozinha? Quantos insolentes de jaleco branco andando com máscara no queixo pelos corredores dos hospitais, lotando lanchonetes, pregando que tudo isso não passa de uma "cortina de fumaça" para prejudicar o governo? Quantas aglomerações em super e em hipermercados, enquanto o pequeno empresário agoniza? Quanta informação dúbia e com atraso, vinda da OMS? Quanto caos, insolência e amadorismo gerado pelo Governo, no momento em que deveria propagar proteção e propor unidade? E quanta roubalheira para todos os lados! Roubar em plena pandemia! Se aproveitar da morte dos outros pra lucrar?!
Por isso tudo, talvez o brasileiro pobre saiba que o destino seja simplesmente morrer, como o desfecho de uma vida inteira de privação e decepção, pouco importando a forma de como se dará o óbito, se por um vírus ou por uma bala perdida. Infelizmente o Brasil é um país aonde as pessoas já estão acostumadas a não se despedir dos seus, a ter sonhos interrompidos, a inclusive não poder velar alguém, não antes do calvário de um IML. Talvez por isso aqui, e só aqui, o COVID seja banal, só mais uma forma de morrer.
Mas, depois de três meses ininterruptos atendendo, o que posso ainda pedir? Um último apelo: não lote os lugares, não busque fazer em dias o que não fez em meses, não se preocupe em acumular compras e sacolas. Estas sacolas poderão servir para guardar as roupas de seu familiar, no dia da internação, talvez o último dia em que você o veja.
Estamos perdendo esta guerra. O único que segue coerente é o vírus, não escolhendo partidos ou ideologias. Entramos em uma espiral de crise, com uns acusando os outros, enquanto os donos do poder se mantém os mesmos, confortáveis, porque não precisaram mudar uma vírgula do que sempre fizeram, que é o distanciamento do povo. Se há algo que eles sabem fazer há séculos é isolamento social.

4 comentários:

  1. Fiquei sem folego! Era tudo que eu queria dizer...e que realmente eu acredito! Obrigada amigo! Vou compartilhar muuuito!!!

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  2. Justamente isso.E esperando o q? Em quem.? Políticos? Está chegando a eleição,eles ,os política andam atrás dos eleitores, com promessas que jamais deram cumpridas, infelizmente.So Deus na Causa!!!Bj

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  3. Parabéns pra esse grande escritor; Gilvan leite você falou tudo o que outras pessoas gostariam de falar e não tiveram coragem .

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  4. Parabéns pra esse grande escritor; Gilvan leite você falou tudo o que outras pessoas gostariam de falar e não tiveram coragem .

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