A Casa Delfino era umas das mais sólidas no ramo de tecidos e artigos da moda na praça de Mossoró. Outra a suplantava, apenas, quando em atividade de comércio diferente.
Delfino Freire da Silva, seu proprietário, descendente de família humilde, ainda jovem, veio de Macau, trazido pelos irmãos Idalino e Francisco Oliveira, fazendo-o auxiliar de balcão na firma que mantinham em Mossoró.
Foi uma experiência válida, a primeira conquista daquele jovem no comércio acelerado de Oliveira & Irmão, pois, logo passou a militar no comércio com a instalação de uma firma de conta própria.
Ai sua visão se alargou. Conhecimentos não lhe faltavam e, com a decorrência de poucos anos, amealhou recursos, causando inveja aos mais céticos. Sua casa comercial era a de maior sortimento, bem afreguesada nas vendas em grosso e a varejo. Tinha fregueses sólidos no alto sertão deste Estado e no interior da Paraíba.
Nas duas primeiras décadas do século XX a Casa Delfino primou em opulência, introduzindo tudo de bom, desejado a uma firma de grande conceito e de melhor na praça. Montou um trem aéreo entre o balcão e o caixa, evitando o deslocamento do balconista nos trocos. De outra vez abarrotou as prateleiras do primeiro andar do prédio em que estava localizado (toda a área ocupada pelo edifício que pertenceu ao Banco de Mossoró), de calçados comprados a uma única firma do Rio de Janeiro. Nesse tempo, era de uso comum a botinha (calçado com cobertura até a meia canela), de cuja especialidade comprou trezentos contos de réis, na época, admitida como a maior venda de uma firma do Rio para qualquer casa do Nordeste.
Com isto desafrontou o despeito de um viajante, flagrado em conquistar seus íntimos interesses, pelo que teria telegrafado àquela firma carioca, pedindo para substituir seu viajante, no que foi atendido.
De outra vez, mandou buscar no Rio um automóvel, marca Ford, de rodas com aros de madeira, capota de lona desmontável, com buzina e bastões externos, para seus passeios à praia de Tibau, onde construiu uma casa de madeira em cima da pedra, próxima aos limites do Rio Grande do Norte com o Ceará. Essa casa ficou conhecida como “a casa de Anselmo”, o nome de um filho seu, que morou no local por muito tempo.
Pedro chaufeur, Antônio Paturí e Vinoca serviram de motorista a seu Delfino, até mesmo nos seus passeios noturnos a busca do Jaburú (que ficava onde hoje se localiza o Supermercado Rebouças, na Av. Alberto Maranhão) onde ele tinha preferência por sedutoras jovens.
No setor imobiliário Delfino Freire teve atuação de relevo. Toda a área onde está situado o São Pedro Palace Hotel, entre a Praça Vigário Antônio Joaquim e a rua Santos Dumont (Hoje Câmara Municipal) lhe pertenceu, onde construiu seu “chalet”, utilizando cimento inglês importado em barricas de 120 quilos, que custava uma ninharia. A pintura do palacete, inclusive portas, janelas e venezianas, foi feita com tinta francesa “carton pierre”, indelével, resistente ao sol, á chuva e ao tempo. Tratava-se de uma construção muito sólida, servida de escada de ferro em espiral, que, até mesmo para ser demolida ao tempo da primeira administração do Prefeito Antônio Rodrigues, se tornou difícil.
Construiu também dois outros “chalets” na Avenida Augusto Severo, esquina com a praça Roderick Grandall(o da esquina, residência da família Máximo Medeiros e outro vizinho), com a finalidade de abrigar os primeiros filhos casados: Pedro Freire da Silva, mais conhecido por Silvinha e Delfino Freire Filho, mais conhecido por Anselmo.
Delfino sempre era convidado a participar de comissões organizadoras de socorro público. Em uma dessas comissões, dirigiu trabalhadores que construíram em 1910 um prédio na Avenida Augusto Severo, que hoje abriga o Colégio Sagrado Coração de Maria.
Quando nasceu o primeiro neto mandou buscar o enxoval em Paris.
Educou os seus filhos em estabelecimento de ensino de lavras/MG e de Recife, além de casar todos, dando a cada um casa e condições financeiras.
Embora amigo e correligionário do Dr. Almeida Castro, a quem ajudava financeiramente em todas as campanhas, jamais se aproveitou dessa situação para disputar qualquer cargo eletivo.
Sua morte, além, de contristar toda a cidade, trouxe graves consequências para a família que, pouco a pouco foi se desfazendo dos bens e haveres herdados. O legado precioso que o esforço e a dedicação ao trabalho chegou a formar e a projeção desfrutada por Delfino freire foi-se exterminado vagarosamente, até que tudo que foi conseguido com tanta luta e tanto trabalho desapareceu.
Entretanto, seu desaparecimento não ficou de todo esquecido dos mossoroenses, que tem seu nome gravado em uma das ruas da cidade, lembrando uma expressão de pujança comercial do passado.
Texto do livro Memórias de Um jornalista de Província, de Lauro da Escóssia,
1981 Primeira Edicão, Fundação José Augusto,
Coleção Mossoroense, Série C, CCCXX.