Servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) afirmam que sofreram pressão psicológica e vigilância velada na formulação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2021, para que evitassem escolher questões polêmicas que eventualmente incomodariam o governo Bolsonaro.
Eles não detalharam quais perguntas foram excluídas da avaliação deste ano, alegando que todas as informações acerca do Banco Nacional de Itens (o acervo de onde são tirados os conteúdos para o Enem) são sigilosas.
O presidente do órgão, Danilo Dupas, nega as acusações
As queixas foram relatadas a deputados da Frente Parlamentar de Educação, que pretende colocar em votação na semana que vem na Comissão de Educação da Câmara um pedido de audiência pública para detalhamento dos fatos.
Na quarta-feira (10), um dos membros, o professor Israel Batista (PV-DF), protocolou uma denúncia contra o presidente Dupas na Comissão de Ética Pública da Presidência da República.
O documento cita que foram reportados pelos funcionários da autarquia: "censura ideológica nos itens da prova do Enem" e "sérios indícios de (...) critérios político-ideológicos, mediante proibição de determinados temas e pautas".
Não há detalhes de quais seriam esses indícios.
Ao g1, dois demissionários (dos 37 que pediram a exoneração de suas funções no Inep nos últimos dias) confirmaram que havia um clima de intimidação e de medo na montagem da avaliação. Em condição de anonimato, um deles afirma:
"Alguns temas ficaram de fora porque desagradariam ao presidente - em uma lógica que a gente desconhece, em critérios que a gente desconhece. Nunca falaram esses critérios. É tudo velado."
No Enem 2020, a pergunta que comparava os salários dos jogadores de futebol Neymar e Marta, por exemplo, foi criticada pelo presidente Bolsonaro, mas não era considerada "polêmica" nos bastidores.
Até a última atualização desta reportagem, o Inep não havia se manifestado. Na terça-feira (9), na Comissão de Educação da Câmara, Dupas negou que tenha ocorrido alguma interferência na formulação do Enem ou episódios de assédio moral e intimidação a servidores .
O deputado federal Felipe Rigoni (sem partido), que também integra a Frente Parlamentar Mista de Educação, diz que ouviu de servidores que a "vigilância ideológica" não se restringe apenas às questões do Enem, mas também a certos casos de assédio moral.
"Alguns funcionários estão em licença médica por causa disso", declara. Depoimentos de ex-servidores ao g1 corroboram a afirmação.
Demissões no Inep.
Essas queixas motivaram, inclusive, um protesto de funcionários do Inep em 4 de novembro: eles relataram "falta de comando técnico" no planejamento do Enem e "clima de insegurança" na autarquia.
Dias depois, a crise agravou-se quando 37 servidores pediram demissão de seus cargos e mencionaram a "fragilidade técnica e administrativa da atual gestão máxima" e os episódios de assédio moral.
Nesta sexta-feira (12), a Associação dos Servidores do Inep (Assinep) comunicou que entregará ao Congresso Nacional e aos órgãos de controle um "documento de denúncia contendo os relatos de assédio institucional e assédio moral".
No podcast "O Assunto", Maria Inês Fini, ex-presidente do Inep, fez referência aos mesmos episódios. Disse que, "claramente, a [atual] gestão não soube conduzir o Enem".
"A gente sempre quis saber se houve interferência e censura ideológica nos itens de prova, e está confirmado agora. Eles [os servidores que pediram exoneração] não aguentam mais, querem ser ouvidos."
Tensão após nota técnica.
Em junho deste ano, uma nota técnica à qual o g1 teve acesso, emitida pela Diretoria de Avaliação da Educação Básica (Daeb), explicou todo o processo de controle de qualidade do Enem:
G1.
Gilvan Rodrigues Leite (Gestor Público e Ambiental Aposentado).